sábado, 11 de julho de 2009

CH3CH2OH e o velho das moedas...

A mão tocou o vidro. Eu estava abrindo a porta do carro. Ele me pediu algumas moedas dizendo que era uma vergonha o que estava fazendo. Eu fiquei imaginando se dizia pela idade, pelo fim que daria ao dinheiro, ou porque tinha vergonha de ser o que era. Colou a bolsa nas costas, passou a mão pela barba por fazer. Eu não sabia quantos anos tinha, sabia que morava na rua, e imaginava que correia ao primeiro botequim que encontrasse. Você pode até tomar uma dose de um Macallan Collection, 1926. Você será uma pessoa melhor depois de qualquer proporção dissolvida de etanol, ou não será nada. Depois de tudo você continua sempre refletindo o mesmo vazio que transparecia em sua alma. Eu abri um sorriso irônico, tirei algumas moedas do bolso e dei-lhe sobre a condição de que bebesse, afinal dividimos o mesmo teto azul com todas as pessoas da rua. Previdência social, fundos de investimento privado. Você passa a vida economizando enquanto assiste ao espetáculo da destruição social. Estamos morrendo igualmente ao senhor que dei algumas moedas. Ele de cirrose hepática e você enforcado em sua gravata.

CH3CH2OH é um fim último. Um fim único. E não importará se é um Macallan Collection, 1926. O universo é privado. Você está incluído na prestação de serviços, você está comprando serviços, você está se vendendo. Carvão, vapor, eletricidade, microinformática. O senhor das moedas cumpriu o trato. Não tinha hora marcada e possuía um bilhete de primeira classe para lugar algum. Quando era criança deve ter sonhado em ser tanta coisa. Subdesenvolvimento humano, assistência social. O vácuo na cobertura do Estado. Movimento de vanguarda. Marketing de mercado. Metas. Planos. Escovar os dentes enquanto planeja a rota do seu dia. São 24 horas até as próximas 24 horas. Depois disso a contagem recomeça. Você entra no ônibus lotado. Tira o carro da garagem. Pedala, caminha, corre. Estamos jogando e participando do jogo. Estamos apostando tudo e esperando alguma solução. O velho das moedas poderia ser fã do Elvis. O velho das moedas será para mim o velho das moedas.

De certa forma me soa estranho. O Estado não pode matá-lo nem ajudá-lo. Eu o matava com CH3CH2OH. A história marcaria que no fundo havia minha contribuição pessoal em toda esta história. São fatos banais que fazem o mundo, mais apenas os mais desinteressantes são contados. A memória da humanidade possui alguns milhares de nomes apenas, e é bem mais provável que eu e você não fiquemos conhecidos como a Madona. Pensando bem, eu nunca mais vou ver o velho das moedas. Em algum momento das 24 horas de um dia comum como todos da minha vida ele me pediu apenas algumas moedas. Talvez sua passagem só de ida para o inferno o leve a felicidade. Talvez achasse eu que ele tinha vergonha de ser o que era, porque no fundo eu invejava sua liberdade. Estamos perdidos em meio ao mesmo teto azul. O telhado azul e o universo privado. O Estado que não mata e não pode ajudar. Você tem um endereço no Google Earth. E mesmo assim não acha destino em suas passagens. Você está correndo. Aperte os cintos de segurança.

Se pudesse mudar alguma coisa em sua vida o que mudaria? Você está correndo. Está tentando superar os degraus de uma escada que nunca termina. Você trabalhou a vida inteira esperando pela sua aposentadoria. Um dia terá que pagar por alguns metros cúbicos de ar se quiser sobreviver. Tudo que tem feito parece não ter a menor importância.Trabalha para pessoas que não conhece e assiste Tv de noite. Pessoas nos hospitais, pessoas pedindo moedas. Tabaco, filtro solar, alcoolismo. Você assiste a um comercial alertando sobre o câncer de pulmão enquanto um bombardeio mata centenas de pessoas na Palestina. Tudo é informação no universo privado. Você segue as leis da concorrência. Você segue. Eu sentia inveja da sua liberdade. Eu o estava matando com CH3CH2OH, enquanto dividíamos o mesmo teto azul, e éramos estrangeiros mesmo sem sair de casa.

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