quinta-feira, 14 de julho de 2011

LIVE TRANSMISSION

Vermelho, amarelo rápido, verde. Os carros passam. Da janela do auto-móvel vejo as pessoas se exercitando como vacas hindus treinadas, que daqui a pouco vão estar atadas em seus empregos de merda, trazendo outra vez à memória como arruinaram seus sonhos. É o arranjo ensurdecedor e desafinado da vida, essa orquestra estranha, que muitas vezes faz você querer explodir a própria cabeça.

Logo na frente, um anúncio enorme estampa um corpo de mulher, desses com uma modelo que tem uma bunda perfeita e enorme, e se deu bem por ter pouco cérebro. Um paradoxo para a ideologia de que trabalhar duro é a receita para o sucesso. Fico imaginando o que realmente é pior. Ganhar muita grana por ter uma bunda farta e escultural; ou ganhar dinheiro por ser um idiota que patenteou uma caranguejola que abre sachês de ketchup e mostarda em Fest-foods.

Sem colocar os pés no chão, você compra um Big Triste Doenças Cardíacas. Ronald McDonald está sorrindo pra você.

Aquele rabo enorme do anúncio é pop! E você aqui, encostado no surrado estofamento com as olheiras que não vão embora, pensando que os laboratórios que desenvolvem fármacos para macacos humanos não testam mais seus produtos em macacos selvagens. O resultado é pouco confiável - pois não se tem um monitoramento sobre a saúde e possível patologias que o símio silvícola pode ter. Esses macacos desbaratados, estampados em panfletos de ativistas, são criados em cativeiros específicos - cuidadosamente inspecionados para serem desbaratados -, em algum lugar nas ilhas Maurício. "Sei disso porque David Quammen sabe disso!"

Andrea Doria está escutando O teatro dos vampiros.

Um milhão, ele gritou ganhei um milhão! Fones de ouvido, cantarolando uma dessas canções populares que falam de sacanagem. Na cadeira-de-rodas, com a perna toda fodida ele gritava - Um milhão, ganhei. Estava jogando poker virtual, numa rede social virtual, com amigos virtuais, com grana virtual, mas com uma felicidade sincera e verdadeira. Se tivéssemos um narrador imaginário em terceira pessoa, com uma sínica afabilidade sem dúvida pensaria - E você aí, parado, lendo sobre Podocnemis expansa, uma tartaruga-verdadeira, para um artigo verdadeiro, para uma carreira verdadeira, mas com uma incômoda felicidade virtual.

Alguém curiosamente pichou Desorganismo no frontispício da faculdade de medicina.

Ao que me parece, a internet possibilitou o nascimento de um limbo paralelo, onde dentro de uma bolha de sabão etérea, que para existir depende de cabos, faz com que as pessoas se transformem e sejam aquilo que não conseguem ser no mundo real. O mundo real! Esse limbo que inibe e assusta. No fim, você morre gordo, fútil e tributável, comprando picolés coloridos com os filhos no domingo. E seus pais podem dormir sossegados, porque era isso que tinha de ser feito.

As pessoas que mantive contato desde a adolescência estão assustadas...

Harry Potter, o bruxo esquizofrênico da história escrota que marcou a geração, envelheceu. E seus filhos crescerão sem irmãos, trancafiados em meio a um carpet fofinho, sem nunca sentir o odor e a textura da grama verde após a chuva.

Mas as pessoas da minha adolescência conseguirão dormir sossegadas, porque parecerá, sempre, que é somente isso que há de ser feito.

Com o controle remoto você liga sua TV cara, você está em seu super computador em:

live transmission, to the evolution, baby!







...



domingo, 3 de julho de 2011

SÚPLICA

Porque é mais fácil colocar os óculos escuros
E fingir que sou livre como uma borboleta
Fazendo aquilo que eu mais gosto.

Porque parece ser menos covarde,
talvez mais honrado
morrer com um emprego medíocre
uma gravata que te enforca lentamente
e uma família feliz que faz suas preces todos os domingos.

No fim, ironicamente sem perceber, você se tornou aquilo que sempre odiou.
Com seu medo de parecer ridículo
Mas afinal, poderia mesmo ter sido pior?