terça-feira, 22 de dezembro de 2009

ENSAIO SOBRE A FELICIDADE

É totalmente enigmático tentar entender porque "todos os meus amigos querem morrer".

A maioria das pessoas que eu conheço têm um emprego de mentira. Trabalham em escritórios de mentira. Olham todas as noites para um céu estrelado com um universo imenso que os desacredita. Elas me contradizem todas as vezes que tento entender o que é felicidade. Me traem em todas as filsofias para tentar classificar o que seria a definição de um idiota. Elas têm religiões de mentira.

Você fica parado como alguém que espera um ônibus durante anos e ele nunca passa. Sabe aquela sensação de que conforme passam os anos seus sonhos vão ficando cada vez mais distantes. Aquela sensação de que você não pode nem mais tateá-los. Porque as pessoas sempre acham que sabem de todos os tornozelos torcidos, e se esquecem do seu.

Grande parte das pessoas que eu conheço têm perplexidades de mentira. Perplexidades de catálogos de lojas e de etiqueta. Elas estão ligadas ao mundo por um fluxo de consciência ingênuo e ininteligível, num calendário de doze meses de carnaval.


"I want to move I want to go
I want to go." Jesus. A metafísica ou a música?


Você fica parado como alguém que sente náuseas na festa. Sabe aquela sensação de todos os seus esforços estão colaborando ainda mais para um grande Nada. Aquela sensação de nostalgia da imaginação que você tem a anos contado para si mesmo. Porque as pessoas olham para a gravidade e se esquecem que a maior arte do mundo é a arte de existir.

Grande parte das pessoas que eu conheço têm sonhos de mentira. E famílias perfeitas de mentira. E lares quentes de mentira. Elas têm problemas absolutamente ridículos e de mentira. Problemas de cor de maquiagem. Sonhos de trivialidades que cheiram a tudo que é sintéticamente novo, freqüente e sem sentido algum. Mas, acima de tudo, elas têm sorrisos de verdade. Elas têm felicidade de verdade que apenas para mim são de mentira.

Não importa que o que ninguém nunca desconfia é que todos os sonhos bons do mundo sejam os pequenos. Que todas as parcelas boas do que existe são as das coisas inexistentes. Que o que mais impressiona é o que não se pode tocar. Que as pessoas têm saudade somente do que pouco exergavam. Que todos os amores de verdade são um signo misterioso.

Saber disso não faz sentido se você não consegue sorrir.





quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Memória e existência

Tenho poucas lembranças boas do mundo depois dos desencontros que a vida me proporcinou. Haviam três meses de câncer no dia nublado de meus 70 anos. No banheiro, tenho numa cadência rotineira das necessidades e obrigações fisiológicas que o corpo proporciona, o contato com os azuleixos floridos, escolhidos à dedo nos tempos a dois. Nunca perco a hora da minha caminhada matinal, ter acordado tão tarde deve ter sido o impulso fulminante da idéia de dois dias atrás, onde resolvi retomar o propósito de nesta data recuperar a força espiritual tão extraordinária como incontrolável de uns anos atrás.

O sacrossanto jornal entregue todos os dias, espelha mais um capricho ordeiro das horas que me destraio. Nunca conto a ninguém que a esta altura pouco me importam as notícias. Do mas, o chá quente com uma pequena fatia de limão faz toda a diferença. Curiosamente não me aflige a idéia de que se você não têm filhos, a sua ausência para o mundo será completa depois da morte. Para aquela data decidi me autodestruir sozinho num porre de baronesa e outros destilados baratos.

Não tenho dúvida de que a coisa que mais me repudia da minha personalidade é a lúcidez mesquinha que me impediu de ser mais feliz nos anos anteriores. Ainda que descubram tanta coisa, hoje não me acho mas em posição confortável para tal deleite. Me atormenta apenas as noites que trai o carinho por cansaço, os lugares que não vi, os livros que deixei de ler, algumas pessoas que mereciam uma parcela maior e mais sincera do meu sorriso sempre arrogante. É o tempo que nos mata.

Quando relógio pontuou três e 45 da tarde eu retornava da rua. A boininha opaca, minha bengala de praxe, o caminhar vagaroso de quem pouco se importa com as coisas. Na sacolinha todos os ingrentes proibidos pelo meu médico, um garoto novo, formado em medicina a pouco tempo, cheio de sonhos e que um dia iria entender os atos pecaminosos da restrição que me receitou. Por sorte o rúgido pagão dos deuses antigos preconizavam chuva.

Quando ela caiu, estava na terceira dose de baronesa, o último trago do segundo fumo e com uma sensação maravilhosa de estar vivo desde de que fiquei sozinho. Porque há certas parcelas do amor que a gente só entende com a ausência. Posso dizer tranqüilamente que numa ocasião destas, a água purifica. Acabei em meio da chuva, onde pingava vida em cada parte velha do meu corpo. Rolava em meio das bromélias que há tempos havia me esquecido. Lá fora, o mundo havia parado. Eu iria passar...





terça-feira, 15 de dezembro de 2009

ESMALTE

O risco amarelo da porcelana dá o tom opaco que reflete na insônia. Por detrás da cortina há janela, por detrás da janela o cinza do muro. Não importa se amanheça ou anoiteça, sempre parece escuro. Naquela manhã decidiu que tinha as unhas por fazer. Mata-se mais por amor do que por ódio. Vermelho, preto, qualquer cor, pulsava na memória apenas a idéia de que ainda deveria estar viva.

O risco da porcelana fazia contraste ao café gelado. Há mesmo algumas coisas que oxidam no dia seguinte. Talvez um tono de roxo. Quem sabe. Tem sapatos coloridos mas não consegue escolher um bom esmalte. Logo acima da cabeceira da cama as fotos dos pequenos momentos que um dia fizeram sentido. Quase sempre ela se esquece de olhar. Na verdade, a bagunça pelo quarto reflete mais um estado de espírito do que a organização que aprendera em casa -antes dos tempos na universidade.

Por vaidade, escolheu um perfume de verão, não muito doce, básico. É que o calor dos últimos dias penetra pelas janelas, um mal-estar que reflete nos livros, trava o bom humor e inibe qualquer vontade de um cheiro de inverno. Logo abaixo do primeiro andar, para descer, está o Seu Fulano, o porteiro do prédio. Fulano, alguém feliz e sem filosofia. Pois, "com filosofia não há árvores: há idéias apenas".

Pegou a bolsa, o maço de cigarros, deixou a luz acessa, a porcelana dentro da pia. Relutância por óculos escuros. Um, dois, três segundos, o bordado dos olhos refletindo na maçaneta da porta fechada. Um bom dia tacanho ao porteiro (que sorri e espia o balanço dos quadris em harmonia com o vestido). Laranja moderno, marron brega. Quem sabe uma cor forte como as das meretrizes do hotel do outro lado da rua. Porque se as pessoas pararem de andar em círculos, os donos do universo perderiam.

A maquiagem ao lado do acendedor. Ela sempre acha que consegue devolver toda a sujeira do mundo fumando. Na verdade, não consegue esconder a anciedade. A história de amor do filme de ontem não cabe em meio aos prédios e o compasso acelerado das ruas por onde passa. Enxerga o rascunho torto das pessoas correndo em meio um monte de coisas que não fazem o menor sentido . Nem sempre é preciso ser cego para não exergar. Não tinha cogitado o azul. Por que não.

Tem sempre uma alegria e admiração imensa por todos os maltrapilhos que cruza. De alguns anos para cá a avenida está pior. Engraxates em meio as vias de acesso para cadeirantes. Nunca entendeu porque sempre pensa em explosivos toda vez que cruza o hospital que fica em meio caminho. Hospital lembra vermelho, vermelho maçã. Uma cor de esmalte. Esconde as mãos para que ninguém veja o quanto andava descuida. Dizem que uma aparência moralmente decente é o reflexo de uma mente em dia. As dificuldades com o acendedor em meio a bolsa. Outro cigarro. Têm papéis que não servem para nada. Documentos com fotos. Daqui uns anos você apenas irá precisar mostrar seu código de barras.

Um verde abacate não cairia bem. Não pintar é estragar mais um dia ruim, do mas, já está na rua. Em alguns momentos o acaso proporcionava inconguências de fim de noite feliz. Com as unhas por fazer seria impossível. Uma cor leve. Ainda sim já bastava o monocromatismo da sua vida. Vazia. Não. Sente intensamente uma ansiade, por isso caminha mais rápido e fuma mais. Está quase chegando, uma olhadinha nas horas. Se lembra que nada disso importa se você só acredita em conjeturas.

- Descubra o que você foi na outra vida - Sorriu com o anúncio do folheto que lhe entregavam. O ser humano do folheto também trazia seu amor de volta em alguns dias. Dobrou e guardou junto com todos os cartões de lugares do quais ela nunca pensaria em ir. Um semáforo. A dona de lenço de oncinha com o cachorro do lado em uma carro pratiado. Era um animal mesmo...

São tantos produtos que a vida se torna enfadonha. Um tom de rosa claro. Devolve. Não se pode fumar dentro das lojas de cosméticos. Impaciência. Treme como estivesse para perder o trem que a levaria ao amor da sua vida. Claro. Escuro. Os detalhes que mais nos preocupamos são mesmo aqueles que menos tem importância. E se esse for mais um daqueles pordutos que testam em animais, talvez até coelhos. Tinha coelhos na infância. Tinha infância porque sempre guardava os recortes coloridos do que passava. Pagou e atravessou a rua, daqui a pouco cruzaria novamente com o hospital. Pensará em explosivos. As unhas agora, com a cor escolhida floreceram o dia. Como o ramalhete de orquídeas cintilantes que um dia mandou para si mesma.

As orquídeas morreram por falta de água. Com unhas feitas, o que lhe preocupava era a ferrugem do esmalte das coisas do cotidiano, das coisas do mundo. Essas coisas que não vendiam, que não se pode mudar com lojas de cosméticos e nem podiam ser testadas em coelhos.




quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Prolongamento e estímulo

Biologia ou Máquinas. Eu sempre penso isso quando me deparo com o ritmo sinuoso das pessoas nas ruas. Área para cadeirantes, faixa de pedestres, os velhos que fumam e jogam cartas na praça que me trás certa aurora de repulsa. São oitenta e nove tipos de azeitonas diferentes, você sorri em meio ao supermercado, e pensa que nosso legado maior foi a cultura ocidental, o urbanismo, o capital, esquecendo que você existe.

"Você acorda num dia e descobre que toda a sua vida é uma ilusão".

Sem aquela cinemática onde é só abrir um guarda-chuva para que tudo pare de cair. Sem a beleza das partículas esdrúxulas que muitas vezes você quer ver novamente. Até então eu tinha uma ânsia de querer tudo, em todos os momentos, em todos os lugares, se possível ou não, foi quando descobri que toda a galáxia cabia num recorte pequeno, como um prolongamento da minha memória de saudades desnorteada.

A TV está novamente passando aquilo que você demorou dias para esquecer desesperamdamente. Aquelas coisas que ficam teimando na sua cabeça e você tem certeza de que certas coisas não poderiam ser pior. Enquanto você corre, há pessoas sorrindo com sovetes de milho verde, sapatos vermelhos e sentido aquela mesma sensação de que tudo é um enorme vácuo. Elas nem sabem disso. Se em grande parte das vezes o meu cepticismo para tudo não fosse o que se convencionou chamar de ignorância, eu acreditaria mesmo que essas coisas eram fatores psicológicos da vida moderna e não um erro criacionista da nossa biologia.

As estrelas da noite de ontem sorriam daquela forma leve só para me rebaixar. Deve mesmo ter acontecido uma parada cardíaca àquele desempedimento fantasioso que achava que teria a alguns anos atrás. Lembro que meu avó cuidava do jardim com borboletas amarelas e lia livros variados para espantar o tédio, a muito a vida lhe ensinara que a maoria das coisas apenas existe. Na verdade.






"Todo o existente nasce sem razão, prolonga-se por fraqueza e morre por encontro imprevisto."






terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Sem Surpresas

Sem surpresas. Eu me espantaria se encontrasse o contrário.

As pessoas sorriem em meio ao violento sol na praça ao lado da minha casa. Me lembram que é Dezembro. Junto com ele, recordo de todas as mazelas que nascem com o verão. O calor terrível que aos poucos trava e sufoca sua mente, natal, o ano novo e todas essas coisas que acham um grande motivo para serem comemoradas. Então, de uma forma comovente e espontânea, que chega a me dar enjôos, as pessoas renovam o pacto subjetivo e que só pertencem ao mundo da matéria.

"De todas as coisas que eu tive as que mais me valeram, as que mais sinto falta são as coisas que não se podem tocar, são as coisas que não fazem parte do mundo da matéria". Não sei se isso é bem a definição de um depressivo à moda antiga. Não sei para este tipo de coisas realmente haja uma definição, essas coisas que restringem. As minhas olheiras não escondem as frustrações de mais um dia em que as nuvens, o sol, e toda estaticidade normal do pontinho oblíquo em que vivo parece me rebaixar.

Ouvi uma vez, em um lugar que não lembro, que lavar a louça era terapêutico. Então você pensa que para isso seria necessário limpar toda a sujeira das louças do mundo, pra não se explodir.

Quando você menos percebe se tornou tão repetitivo e mecânico que nem consegue reconhecer a si mesmo. Eu dou milhares de voltas antes de parar nos mesmos lugares e perceber que não vale a pena. Hoje em dia nada disso me soa como algo trágico, às vezes, você chega em um estado de paralisia tão grande que até as tragédias em todas as coisas são estáticas.

Joaninhas trepidando em capins numa chuva forte. Sem surpresas.