segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Ana.

Talvez essa seja mais uma daquelas mentiras. Como aquelas histórias de cartas antigas, amareladas, enferrujadas e que o tempo fez questão apagar, de relegar ao acaso. É como essas histórias que de tristes e bonitas acabam ficando com cheiro de naftalina, esquecidas no guarda-roupa da vida. Desencontros e acasos que como a história, o tempo deu seu tom de abandono, e assim, a verdade concreta se perdeu.


O branco na parede, a música que tocava, as noites em claro, tudo se transformou num perfeito vácuo, em ausência, nessas coisas que demoram até você se acostumar. “Hoje é um daqueles dias em que o sol sai para te humilhar”. Em que contar todo nada que fiz ontem, e todo nada que fiz hoje, e todo nada do amanhã, acabam por fazer falta.


Depois que conheci Ana, entendi melhor o que um amigo meu embriagado de conhaque, me disse um dia, que as coisas terminavam num “Ballet da vida irônica”. Depois do casamento em Las Vegas, foram cinco anos, assim, que pouco tempo depois, nasceriam o Arthur e o Otávio. Porém, antes disso, tínhamos ido para Paris e Londres, com uma relutância para três dias em Berlim.



Quando se ouve Weird Fishes/Arpeggi as quatro e meia da manhã, é porque o domingo foi um daqueles dias que realmente o sol saiu só pra te humilhar. Não importa que você diga que sua semana foi um cotidiano trágico, daqueles que a mecânica dos seus movimentos vai se perpetuando sem sentido. Quando as luzes se apagam e um fuso horário de 18 horas dá um tiro na sua cabeça, as coisas pioram muito. Todos os dias que abro a janela do meu quarto tem sempre só um enorme muro, essas tramelas da modernidade e da segurança familiar, essas coisas que sufocam e te matam aos poucos.


Depois que voltamos de Berlim, ela disse que seria normal, que em dias, uma semana, no máximo, eu a teria esquecido. Então você acaba fazendo aqueles tratos adolescentes que, como todas as mentiras que escrevo, acabam confusos e especiais. Foi uma daquelas inocências, que um dia te trapaceiam. Depois de algo assim, o cheiro de naftalina, e tudo aquilo que você luta pra largar esquecido, digo, bem guardado no guarda-roupa da vida, acaba mesmo soando como uma imensa saudade. Aqueles romancesinhos em que o “tempo insiste em não parar”.


Quando se ouve um In Rainbows inteiro, e se está acordado até as cinco da manhã, é porque não só o sol do dia seguinte tinha saído para te humilhar, mas sim, também, o que deve estar começando a dar as caras no horizonte vai te derrubar. Correr, “eu queria correr até que minhas pernas jorrassem como ácido de bateria”. Você começa a entender o que como havia me dito outro grande amigo meu, a sua “cadeira transpira, mas você não!”.



A última vez que entrei num ônibus e consegui ver Ana, o garoto da poltrona do lado estava lendo Sidarta, de Hermann Hesse, o livro que ela havia dito que queria ler antes de ir embora. Eu sempre achei o título horrível, mas depois descobri que a “busca pela plenitude espiritual”, é uma besteira perto dos desassossegos do coração. Ela havia se ido sem ler Fernando Pessoa, e meu poeta favorito confirmou mais uma vez minha identificação com suas naus sem rumo. Foi com Alberto Caeiro, que ele havia dito que “com um lenço branco digo adeus”, mais a última vez que me despedi de Ana não tinha lenço branco. A última vez que falei com Ana, ela me pediu desculpas. Prefiro pensar que elas não foram pela sua ausência, por ela realmente lutar pelos seus sonhos, mas pelo fato de num dia corriqueiro termos nos conhecido.

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