terça-feira, 9 de março de 2010

AS FLORES QUE FALEI

"E tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ela visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo [...] que talvez eu não quisesse que ela soubesse que eu era eu, e eu era".

O que quer que eu diga, não sei o que te dizer, você fica transfigurando seus problemas, o futuro brilhante, as perspectivas, os seus sonhos - antes parecia tão real. Agora olhe seu estado, você não está bem, é claro que você não está bem, mas simplesmente cala-se. Eu não sei mais o que fazer, eu juro que não sei mais o que fazer.

É assim, a gente vai machucando aquilo que mais ama.

Ela apertava os lábios, um contra o outro, como alguém que retoca o baton. Têm os olhos borrados com o contorno do que sobrou da maquiagem da noite passada. Deve ter vindo até aqui comigo por pena. Não, sem dúvidas que não, estava com saudade, não parece que filantropia seja o seu forte, ou onde estaria a personalidade que tanto vem me fascinando?

Antigamente e durante bastante tempo, nós tínhamos imaginado os fast-foods de final de semana, a casinha de tijolos com um belo jardim, as carreiras de sucesso com os impostos pagos, os filhos saudáveis, felizes e bem educados. Toda a espontânea validade que pode existir na metafísica de uma vida aparentemente comum. Agora estávamos ali, sentados, no alto de um prédio, ela tomando um sorvete, lado a lado, os cheiros se misturando, aquela sensação de nostalgia das noites e tardes na cama.

Não tenha grandes esperanças, sinceramente, elas não vão acontecer.

Tenho uma certa estranheza com a forma covarde que desatava certos mistérios. Não queria demonstrar que todas as vezes que atravessava uma avenida pensava desesperadamente em um atropelamento, que inquietamente ficava olhando para os próprios pés. Não queria parecer que tinha perdido o controle e que eu não tinha grandes esperanças. Por alguns intantes consegui falsear um sorriso, apertando o cigarro, quase no fim, por entre os dedos.

- Tudo está no fim, estamos todos fodidos, e numa estimativa a longo prazo todas as expectativas caem a zero -

Você sabe que não precisa disso, é claro que você sabe, da forma que você fala parece que você não consegue resolver os seus problemas. Depois que eu entrei na sua vida. É esquisito comentar para alguém a sua alto-insuficiência, toda a sua carência, toda a sua frustração. Durante minha busca pela máxima extensão da minha autodestruição, tinha escolhido um modo paulatino, acabar devagar, sem pressa, sem um atropelamento planejado ou qualquer coisa deste tipo. Se fosse para ser rápido, deveria de ser algo inevitável, fruto dessas medíocres vicissitudes do acaso, caso contrário, teria de ser paliativo. Pequenas doses, como as de raíz de valeriana, aos poucos, sedando, perdendo sem acreditar em nada, sem fé nenhuma. Sem deus. Muitas vezes acho que...

"Em vão tento me explicar [...]
As coisas. Que triste são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade".

Sim, vomitar esse tédio, esta angústia, ou seja lá a que se chame esta enxurrada que constantemente me revira tudo por dentro. Desmontar o cenário, descer do palco. Quem sabe pedir desculpas por ser eu mesmo. Mas durante todo tempo ela continuou afirmando que eu não precisava mais disso, com toda certeza, convicta, com o coração, com as lágrimas nos olhos, como alguém que ama, ama muito, ama tanto que se despede simplesmente para não deixar de amar. Simplesmente para não deixar.

Depois que ela foi embora, voltei pela avenida, cego, desorientado. Deveria ter segurado pelos seus braços, dizer que a amava muito, que era um erro, mas, quem sabe, talvez o acaso decidisse aparecer e, no entanto, no fundo, eu era eu, e nem nisso eu acreditava.








"O passado aconteceu, a partida não pode ser jogada de novo e, por isso, podemos perceber as coisas com mais clareza".









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quarta-feira, 3 de março de 2010

REMINISCÊNCIAS

Sentia-se discreto, ausente, pequeno, tentando puxar um pouco de ar escondido no seu aquário de concreto, enquanto as pessoas trepam em motéis baratos e os velhos frenqüentam clubes dançantes em plena quarta-feira tarde. Os cigarros vulgares encobrem a falta de dinheiro, mas tem coisa mais autodestrutiva que insistir sem fé nenhuma? Nunca se imaginou assim.

Talvez pudessem ter dado certo, depois lembra da feliz história de seus pais. Como eram seus heróis, como perseveraram em seus sonhos. Bolhinhas de sabão em um mundo ordinário, onde você não entende nada e, depois, simplesmente morre.

Lembra da garota do segundo ano colegial, como você pode gostar de uma escrota daquelas, era novo e idiota, me deixou por ter muito cérebro e pouco bolso. Depois foi branquela de outro Estado, um donaire impressionante, com olhos que faziam um dia ruim ser mais tolerável. Lembra dos pesseios no parque, os jantares vegetarianos?

A camisinha é o sapato de cristal da nossa geração. Você calça um quando conhece um estranho, dança noite toda, depois joga fora, a camisinha, é claro, não o estranho!

10 mg de alcatrão e monoxido de carbono com 0,9 mg de nicotina é que deixam um dia ruim mais tolerável. Pedia um cigarro entre conhaques baratos no aquário pequeno no meio do grande celeiro iluminado. Coloca Jesus agora, o primeiro...

Sensível ironia do destino, ela era vegetariana né, pensa bem cara, têm tanto pasto, tanto boi, você só vê boi, por onde passa, mais nada, isso é improdutivo, ninguém lembra da exploração racional, leite e ovos. Penso também no meu desenvolvimento sustentável interno, como manter?

A vaca de cabelos vermelhos, bois me lembram aquela grande vaca de cabelos vermelhos. Insensível, indiscreto, completamente livres, para uma coisa que não condiz com seu perfil. Saindo com outras garotas, ela, não você, depois desaparecendo como algo ruim que não poderia ser evitado.

Já se imaginou usadíssimo assistindo TV em pleno domingo? Muito açucar, muito chocalate e uma vida amarga. Gosto da sobremesa nos almoços de família, sempre alertam que a hora de ir embora está mais perto. Seja no trabalho ou em qualquer lugar você não vê a hora de sair correndo, depois de tanto correr, você não chega a lugar algum...

Deslizo um cigarro, queimo a espessa película do sofá amarelo, a gente deveria viver deste modo, sem se preocupar com as cristaleiras empoeiradas, sem se preocupar com uma organização sacrossanta, espirrando creme dental no espelho do banheiro. Ela cuidava tanto daquela casa que esquecia-se que existia.

De tanto perder a gente acredita mesmo que ama alguma coisa. Lembra daqueles enormes bustos com óculos, quantas histórias, é, quantas histórias, poderíamos ter nos convertido, comprado um carro, construir uma casa, o sonho americano, é, o sonho...

Besteira qualquer, ainda tem conhaque, a gente nem chora mais.






Jesus acabou, coloca outro disco...







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terça-feira, 2 de março de 2010

ENSAIO SOBRE A FELICIDADE II

"Eu só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista capitalista, eu só queria era ser feliz, cara, gorda, burra, alienada e completamente feliz."


Há dias tenho tentado descartar a hipótese, ainda mal formulada, que meu psicológico atormentado seja fruto de uma infância mal orientada, uma junventude acidentada e insensata. Acho espantoso como as belas casas, os carros importados e todos os intens que comovem as pessoas não me causam a menor impressão. Eu só queria ser feliz. Se a isso me coubesse ser caro, gordo, burro, alienado, para ser completamente feliz, não me importaria.

É engraçado ouvir Radiohead às três horas da manhã. Dois comprimidos de cloridrato de trazodona não me colocam para dormir. Eu queria ser feliz, completamente feliz, talvez, para isso, precisasse apenas dormir. Dormir como um bebê. Mas, existe (mesmo) sempre alguma coisa ausente que me atormenta. Por detrás de um sorriso irônico e amargo me pergunto se tem algo mais carente que o ser humano.

Janeiro vai ter as chuvas de abril.

Me adiantei a me tornar alguém sem gentileza e sem elegência. Autores decadentes, uma vida sem surpresas. Ideologias avessas e milhares de sonhos no coração. Pontualidade, desespero, uma coleção de despedidas. Uma seleta lista de mulheres que não amei, de momentos que não vivi, de vezes que não acreditei e fracassos que nunca soube esquecer...



Pessoa morreu em 1935. Ainda sim, não me vejo caro, gordo, burro, alienado. Talvez só tenha que aceitar que minha tristeza seja natural e justa, se é que existe justiça para alguma coisa.






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Pronto, Karma Police.