domingo, 3 de janeiro de 2010

SAPATOS

"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro."

- Como porcos de lacinhos rosa que correm atrás de lavagem. As pessoas estão desfilando, formando um tapete disforme nas ruas.

- Todas as possibilidades são um fracasso.

Quando você começa a se perguntar muito sobre o sentido da sua existência você entende até que ponto a vida zombou de você. Ela nunca usava maquiagem. E aquela elegância com a ausência de maquiagem me maltratava. Por alguns momentos era como se todo o lixo da minha vida fizesse todo o sentido para alguém. Era como um espasmo de tempo que conseguia travar o mecanismo da patologia do autofracasso que durante anos revelara quem eu fui. Melhor, quem eu sou.

Ela nunca olhava para os meus sapatos.

Sabe aquela sensação de que se você se atrasar vai deixar alguém que ama muito esperando. As pessoas às vezes se esquecem da hora. Perdi as contas de quantas vezes eu mesmo acabei perdendo.

Você não consegue dizer muita coisa quando está quase sem esperança. Naquele momento ela me abraçou e todas as noites que ela sorria faziam todo o sentido. Sem o plástico que asfixia as relações das pessoas que reparam nos meus sapatos. Real como os maltrapilhos velhotes que se arrastam catando papel pelas ruas.

Na verdade, leva alguns anos até que você entenda que todas as suas possibilidades são um fracasso. A minha geração difere da geração dos meus pais somente porque ainda não temos idade suficiente para enterder.

- Nada. Absolutamente nada.

Somos uma geração de porcarias que falharam com o sistema. A geração de porcarias que constrói o mundo. Uma leva de anônimos das estatísticas surrealistas da história do contidiano, da história do esquecimento. Longe disso, me lembro de todas as noites que passávamos quietinhos para não ouvir o mundo.

Ela transpira pelas lentes do óculos e faz a simplecidade parecer um final de semana feliz na praia. Sem reparar nos meus sapatos. Porque parece mesmo que o amor é aquele velhinho cego que só quem não estava preocupado com as luzes do semâforo viu passar.

Não sendo, eu era apenas os meus sapatos.




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