segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Maquillage e pó-de-arroz

Abriu a porta de casa, enquanto tudo ao redor fazia eco a uma indiscrição displicente. Nem a maquiagem que resolveu tirar em frente ao espelho cobria a farsa do que havia se tornado, numa realidade de "vício solitário". A luz no alto do banhareiro refletia uma sombra logo detrás na parede.

- "Tudo isso é pura masturbação, você vai ver, no final não vai sobrar mais nada". Se a gente fosse fazer algo de verdade mesmo, nós acabariamos é por implodir tudo, e agora olhe para nós, nessa pequena prisão de vento. Se você achar que não se importa com nada, tudo vai ser mesmo cotidiano, corriqueiro, você acaba nessa de dependência do acaso, que no fim, nem nisso a gente acredita. Esses seus planos são de mentira.

- No começo você acaba pensando que tudo é como a tão esperada primeira bicicleta. Você demora uns dias pra aprender e depois pode ficar a tarde toda rodando na mesma calçada. Passa algum tempo e você começa a descobrir a fragilidade dos castelinhos de areia.

Ficaram ali quietos, comtemplando algumas nuvens que lembravam que o tempo não havia parado, quem sabe um pouco mais tarde choveria.

- Ainda tem conhaque.

...

- Afinal é isso que fazemos de melhor mesmo, mas a sua aparência está horrível. Acho que tinhamos que mudar isso. Esse tipo de perspectiva é o que acaba entregando tudo. Eu to cansado destes pontos finais, contudo, toda vez que fechei o pára-quedas perdi o controle da descida.

- Quer saber, essa idéia de controle é um das maiores babaquices que construímos na vida. Você acha que tudo é como a bela disposição dos projetos duma casa, onde você escolhe até o tipo de grama do jardim, pronta e verde, mas um certo dia a matemática frustrante ao seu redor te desmente tudo isso.

Para alguém que olhasse apenas para os sapatos brancos nos pés jamais descobriria o quanto achavam que a galáxia era pequena e falha. Preferiam a idéia, também fixa, de que tudo aquilo não passava de pontos pontos de vista extremamente patológicos e particulares. Talvez tudo que assitiam deixava mesmo aquele agravante de que no final, não só estavam certos, mas que, também, certas coisas eram um pouco pior.

Mesmo que a maquiagem não tenha saído completamente, misturou o escuro com a sombra, tentou esquecer o que por horas haviam conversado. Precisava dormir, enquanto lá fora, chovia.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Noir

Agora imagine que tudo está rodando. Balbúrdia, cataclisma, desordem, baderna e tumulto. Se eu pudesse correr até que minhas pernas travassem, até que tudo vibrasse numa sensação de liberdade e melodia. Ondas radiofônicas dos carros nas ruas, em meio ao ballet dos prédios com as nuvens que se entrecruzam. Você está comivido, você deveria estar.

Me diga quantas horas do seu dia medíocre foram inúteis, e não importa quantos cigarros fume, isso não irá aliviar a sua consciência. Eu queria dançar até que minha pernas vibrassem como os giros de moinhos de vento incessantes, como faíscas brilhantes que latejam no escuro. Você está comovido, você deveria estar.

O relógio no seu pulso te lembra a cada minuto que passa o quanto você tem envelhecido. Imagine o quanto é possível aprender com todo silicone. Aliás, tudo isso é durável, a tecnologia da sustentabilidade.

Os povos antigos acreditavam que seus deuses eram o sol, a chuva. De alguma forma eles sabiam o quanto isso lhes era importante. E agora, até onde você suporta toda a metafísica tão palpável como as cavidades de suas narinas. Obsoleto, você está comovido.

Imagine as luzes da cidade duma noite inesquecível, imagine tudo que tem feito. Imagine você muito pior do quem tem sido ultimamente, de uma forma que você acha que nunca seria. E até onde dá pra ir.

Me lembro de toda excentricidade. Essas coisas estapafúrdias.

Naqueles dias ela andava toda egocêntrica com um baton vermelho que de uma forma estranha me tirava o sono. Eu afirmava isso pra mim mesmo para fingir que alguma coisa tinha importância. Ai você fica sempre com aquela sensação que de uma forma ou de outra o amanhã vai ser melhor.

E se pintar uma parede do quarto de xadrez, usar o cinza ao invés do amarelo. Isso seria extrevasar. E você está comovido. Toda a comoção do mundo. Como as pessoas que têm câncer terminal.

Terminal é mais uma paragem de um ponto de ônibus para lugal algum. Nós haviamos decido que todas as coisas deveriam ser intensas como as paragens de algo em estado terminal. Nós haviamos optado pela comoção de estúpidos de um fim de livro.

E tudo foi inútil como haveria de ser...





domingo, 4 de outubro de 2009

Um pouco de açucar

Naquele momento pareceu que o universo todo era uma pequena fagulha doentia, que não cabia nem a si mesmo. Tinha se esquecido das sutilezas de roupas bem passadas e dispostas em cabides. Os títulos variados da pequena coleção de livros desordenadamente empoeirados, dissimula a idéia da antiga organização quase transcendente, porém, o tino dum cotidiano fatalista talvez não seria a justificativa mais adequada para isso. Se você já levou semanas para ter um dia conseguiria entender.

Aquele monte de letrinhas do jornal que carregavam toda a notícia do que andava ocorrendo tinha perdido o sentido. Era necessário antes de tudo, resolver primeiro seus problemas. Pensava num estado de equilíbrio psicológico, essas coisas que ao acaso são quase uma auto-ajuda, furadas e enfadonhas.

De uns tempos pra cá minha sensibilidade anda me traindo. Pensei naqueles antigos esmaltes vermelhos e pela primeira vez isso não tinha sido nada interessante. A curiosidade ilimitada, o conceito de construir tudo. Naquele momento pareceu que a vida se resumia a alguns torrões açucar. Pra usar de uma boa sinceridade acho que ela não vai mesmo muito além disso. Não fosse uma estagnação incomoda e confortável, é mais provável que as coisas seriam bem melhores.